Adelio Bispo de Oliveira, ao centro, é transferido pela Polícia Federal para penitenciária federal em Campo Grande (MS) – Ricardo Moraes – 8.set.2018/Reuters.
SÃO PAULO e RIO DE JANEIRO A Polícia Federal (PF) de Minas Gerais cumpre na manhã desta sexta (21) mandado de busca e apreensão em propriedades de Zanone Manuel de Oliveira Júnior, um dos advogados de Adelio Bispo de Oliveira, que é o autor da facada contra Jair Bolsonaro, no dia 6 de setembro em Juiz de Fora.
Segundo o delegado responsável pelas investigações, Rodrigo Morais Fernandes, o objetivo da operação é apreender e periciar documentos, celulares e computadores para descobrir quem paga o trabalho do advogado de Adelio. A operação foi autorizada pelo juiz Bruno Souza Sabino, titular da 3ª Vara Federal de Juiz de Fora, onde tramita o processo contra o agressor de Bolsonaro.
As buscas ocorreram em um prédio comercial de propriedade do advogado no bairro de Eldorado, em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte (MG). No local funciona a banca de advocacia, um hotel e uma locadora de carro, de propriedade de Zanone, além de outros espaços alugados a terceiros.
De acordo com o advogado, policiais levaram seu aparelho celular e o arquivo de imagem das câmeras de monitoramento do hotel. Outros quatro advogados que também atuam no processo não foram alvo da operação desta sexta-feira.
Zanone disse à Folha que não contesta a apreensão das imagens das câmeras de seu hotel, mas se disse indignado por terem levado seu celular, o que, segundo ele, fere o pacto de sigilo entre advogado e cliente.
“Os requisitos legais para o mandado de busca nas câmeras do meu hotel até estão presentes em lei. O que me causou espécie foi a apreensão do meu celular, violando a intimidade de dezenas de clientes, como policiais, promotores e empresários, que me procuram com problemas privados. Hoje o meu celular é meu escritório, tem dezenas de informações confidenciais que agora não estão mais protegidas pela inviolabilidade do sigilo entre advogado e cliente”, disse.
O delegado Fernandes disse à Folha que a polícia trabalha com a hipótese de que a defesa de Adelio Bispo poderia estar sendo paga por uma organização criminosa ligada ao tráfico de drogas ou por um grupo político.
A operação faz parte das coletas de prova do inquérito 503, que investiga as circunstâncias em torno do atentado, focando na possibilidade de Adelio ter cometido o crime a mando de terceiros. Outro inquérito já foi concluído; nele, a Polícia Federal afirma que, no dia do crime, Adelio Bispo de Oliveira agiu sozinho.
Zanone Manuel de Oliveira Júnior é conhecido por ter atuado em casos famosos como o da morte de Eliza Samudio, ex-namorada do goleiro Bruno, e da morte da missionária Dorothy Stang. Em setembro, Zanone disse que estava sendo pago por uma pessoa que lhe pediu que sua identidade fosse preservada, mas que tinha ligações religiosas com Adelio.
“Pelo meu celular, não vão encontrar nada sobre quem me procurou para o caso Bolsonaro. E se essa pessoa quiser continuar anônima, não ligue para o meu celular nem me mande mensagem. A decisão de hoje é um ataque a advocacia brasileira muito mais do que um ataque pessoal a mim”, afirmou.
Em depoimento após a prisão em flagrante, Adelio Bispo de Oliveira disse que atacou Jair Bolsonaro por divergências políticas, religiosas e raciais. Adelio é réu em uma ação pelo crime de “atentado pessoal por inconformismo político”, descrito no artigo 20 da Lei de Segurança Nacional. Ele está preso preventivamente na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS).
O processo contra Adelio está suspenso desde que a justiça determinou que ele seja submetido a uma avaliação psicológica por um perito judicial. A decisão foi tomada depoia que a defesa de Adélio apresentou nos autos um laudo psicológico particular que atestou a insanidade mental do agressor. A justiça aguarda agora o resultado do laudo oficial.
VIOLAÇÃO DE SIGILO PROFISSIONAL Advogados e entidades do direito criticaram o mandado de busca contra Zanone. Segundo o advogado Augusto de Arruda Botelho, conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, uma ação da Polícia Federal com o objetivo de identificar quem paga a defesa de uma pessoa é uma “clara afronta à inviolabilidade do sigilo profissional das atividades de um advogado”.
Segundo Botelho, faz parte da ética de um advogado não revelar quem o paga ou quanto recebe para defender um cliente, sendo este direito resguardado pela Constituição Federal. Para o advogado, uma operação da Polícia Federal com o objetivo de especular sobre isso “é uma das maiores aberrações jurídicas em anos.”
A Associação Nacional da Advocacia Criminal divulgou nota de repúdio a operação, que segundo a entidade cerceia o livre exercício da advocacia e promove uma ruptura com o Estado democrático de direito.”A inconstitucional medida foi determinada como represália ao simples fato do advogado estar exercendo seu direito constitucional de exercício profissional.”.