Bolsonaro pressionado por interlocutores da alta cúpula militar a pôr fim à guerra entre os oficiais das Forças Armadas e o escritor Olavo de Carvalho, o presidente adotou uma estratégia para se manter neutro e não se inclinar a nenhum lado.
Em relação ao ideólogo da direita conservadora, escolheu um tom conciliador, elogiando o “guru” e defendendo a liberdade de expressão. Quanto aos militares, deu carta branca para a militarização da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), o braço da política comercial do Itamaraty, chefiado pelo ministro olavista Ernesto Araújo.
A tática de Bolsonaro não põe fim à guerra entre as alas ideológicas e militares do governo. Mas dá fôlego para acalmar os oficiais, que se irritaram com a postura complacente a Olavo. Ontem pela manhã, no Twitter, o presidente declarou que espera que os “desentendimentos” sejam uma “página virada por ambas as partes”.
No entanto, elogiou o “guru”, dizendo que continua a admirá-lo. “Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse ao governo, sem a qual o PT teria retornado ao poder”, declarou.
À tarde, disse que o ideólogo é “dono do seu nariz” e se manifestou a favor da liberdade de expressão dele de criticar, ressaltando que recebe críticas “muito graves todo dia”. “E não reclamo. Inclusive, olha só: o pessoal fala muito em engolir sapo. Eu engulo sapo pela fosseta lacrimal e estou quieto aqui, ok?”, declarou.
O apoio aos militares não foi dito publicamente, mas nos bastidores. Bolsonaro participou, ontem, da reunião conjunta do Alto Comando das Forças Armadas.
Participaram do encontro, que se estenderam em um almoço, oficiais quatro estrelas das três forças. Estiveram presentes o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva; os comandantes do Exército, general Edson Pujol; da Marinha, almirante Ilques Barbosa Junior; e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Antonio Carlos Bermudez.
A portas fechadas para a imprensa, o presidente da República manifestou ao alto escalão militar o prestígio dos oficiais no governo e defendeu a permanência do bom relacionamento.
A articulação do governo para fortalecer os militares foi iniciada nos bastidores há duas semanas, quando o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, atacou o vice-presidente Hamilton Mourão nas redes sociais.
O chefe da assessoria especial da Presidência da República, Célio Faria Júnior, servidor civil da Marinha, sugeriu a Bolsonaro dar a presidência da Apex ao contra-almirante Ricardo Segovia Barbosa.
A indicação foi submetida aos ministros-chefes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e da Secretaria de Governo, Santos Cruz — pivô recente dos ataques de Olavo —, que deram o aval.
Desde então, Segovia passou a comandar a Apex, embora tenha assumido formalmente o posto apenas na segunda-feira. Com carta branca dada por Bolsonaro, demitiu a então diretora de Negócios, Letícia Catelani — ligada à ala ideológica do governo — e confirmou a demissão do diretor de Gestão Corporativa, Márcio Coimbra, que havia entregue carta de demissão.
Como substitutos, definiu ontem o capitão de Mar e Guerra Marcelo Santiago Garcia na chefia de negócios e o vice-almirante Edervaldo Teixeira de Abreu Filho na gestão corporativa, afirmou um interlocutor ao Correio.
Juntam-se aos diretores o general Roberto Escoto, chefe de gabinete da presidência da Apex; o coronel José Simões, que assumirá a gerência financeira; e o coronel Wagner, na coordenação de contabilidade.
Os dois últimos haviam sido demitidos da Apex por Coimbra. Com a agência recheada de militares, a leitura feita entre oficiais é positiva. Na prática, o controle sobre as políticas comerciais externas enfraquece Araújo.
A Apex está no guarda-chuva do Itamaraty, então, em tese, o ministro deveria ter autonomia sobre a empresa. O enfraquecimento do titular das Relações Exteriores, por conseqüência, é um baque ao próprio Olavo.
A Apex concede aos militares um orçamento médio de R$ 700 milhões para gastarem, na teoria, como quiserem. Por ser parte do Sistema S, a empresa confere um mecanismo flexível do uso dos recursos, deixando a política comercial sujeita a menos controle por parte do Itamaraty.
Desse total, cerca de R$ 560 milhões é destinado à Diretoria de Negócios e R$ 21 milhões à Diretoria de Gestão Corporativa. O restante vai para a diretoria executiva, ocupada pelo próprio presidente.
Embora Bolsonaro tenha adotado uma estratégia neutra e comedida para não desagradar militares e olavistas, são as Forças Armadas que saem mais fortalecidas dessa articulação. Com a militarização da Apex, enfraquecendo Araújo, há a possibilidade de que o chanceler possa cair, avalia o analista político Lucas Fernandes, da BMJ Consultores Associados.
“É o início da tutela dos militares à administração do Ernesto, que ficará refém dos bons resultados. Se não apresentar, a tendência é de que ele saia no fim deste ano ou na metade do ano que vem”, ponderou. Ressalta, contudo, que o fortalecimento dado por Bolsonaro não apaga o desconforto.
Para Fernandes, o ministro tende a enfrentar dificuldades na implementação da política externa. “A tradição militar prioriza o pensamento em longo prazo. A política comercial feita por eles, com unidade, deve ser menos conflituosa e ideológica com a China e os demais países do Brics. Com bons resultados, é possível que os oficiais agradem aos investidores e consigam uma injeção de ânimo na economia para o governo”, analisou.