Josias Souza Colunista do UOL – Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
O procurador-geral da República Augusto Aras divulgou uma nota oficial para informar que não se sente obrigado a avaliar ilícitos atribuídos a Jair Bolsonaro na gestão da pandemia. Num instante em que ressurge o debate sobre impeachment, anotou: “Eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República são da competência do Legislativo.” No mesmo texto, Aras insinuou que o presidente pode decretar o “estado de defesa”, para preservar a “estabilidade institucional”.
Um dia depois de Bolsonaro ter declarado que “quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas”, Aras deu à crise sanitária um conteúdo militar. Sustentou que “o estado de calamidade”, decretado no Brasil desde 20 de março de 2020 para facilitar o combate ao coronavírus, “é a antessala do estado de defesa.”
O estado de defesa está previsto no artigo 136 da Constituição. Pode ser decretado pelo presidente, ouvidos os conselhos da República e de Defesa Nacional. A pretexto de “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional”, prevê a imposição de medidas coercitivas. Entre elas a prisão e restrições ao direito de reunião e ao sigilo de correspondências e de telefonemas. O Congresso tem dez dias para aprovar ou rejeitar o decreto.
A nota de Aras revela nas entrelinhas uma espécie de drama psíquico-jurídico. Algo quase shakespeariano. Não bastasse o dilema funcional —procurar ou não procurar?— o procurador como que se autoinvestiu na função de conselheiro-geral da República. Aconselhou comedimento: “A considerar a expectativa de agravamento da crise sanitária nos próximos dias, mesmo com a contemporânea vacinação, é tempo de temperança e prudência, em prol da estabilidade institucional.”
A certa altura, Aras realçou que “segmentos políticos clamam por medidas criminais contra autoridades federais, estaduais e municipais.” Munido de autocritérios disse que cumpre exemplarmente suas funções: “O procurador-geral da República, no âmbito de suas atribuições e observando as decisões do STF acerca da repartição de competências entre União, estados e municípios, já vem adotando todas as providências cabíveis desde o início da pandemia.”
Foi nesse ponto que Aras acrescentou que não lhe cabe escarafunchar “eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República”. Na opinião de Aras, “as instituições estão funcionando regularmente em meio a uma pandemia que assombra a comunidade planetária, sendo necessária a manutenção da ordem jurídica a fim de preservar a estabilidade do Estado Democrático.”