Especialistas defendem que escolha de militares para cargos na Esplanada não significa militarização da gestão

“Não há que se comparar militarismo com um governo cheio de militares. O tempo é outro, as questões são outras, e Bolsonaro foi eleito pelo voto direto. Isso o distingue do ciclo militar entre Castelo Branco e Figueiredo. Bolsonaro não foi eleito por ser um capitão do Exército. Foi eleito sobretudo pelo antipetismo” – Antônio José Barbosa, professor de história política e contemporânea da UnB.

Jair Bolsonaro (PSL) mandou um recado à classe política, rebaixada a cargos secundários, escolhendo a dedo um batalhão de militares para bater continência nos ministérios do próximo governo. Quase um terço das 22 pastas do presidente eleito serão ocupadas por integrantes das Forças Armadas. O governo Bolsonaro terá mais ministros com formação militar no primeiro escalão do que o governo do general Castelo Branco (1964-1967), que inaugurou o ciclo de militares do poder após o golpe de 1964. Comparado às equipes de outros presidentes que sucederam ao general, a de Bolsonaro está no mesmo patamar da gestão do general Emílio Garrastazu Médici, que tinha sete ministros militares. Numericamente fica abaixo da de Ernesto Geisel, com 10 ministros das Forças, e da de Arthur da Costa e Silva e João Baptista Figueiredo, ambos com nove.

O que torna o primeiro escalão de Bolsonaro diferente dos demais presidentes militares e de parte dos civis, após a redemocratização, é a redução dos ministérios propriamente militares desde 1999. A antiga Casa Militar e o Serviço Nacional de Informações (SNI) foram extintas. No lugar deles nasceu o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Depois, os ministérios do Exército, da Marinha e da Aeronáutica acabaram fundidos no Ministério da Defesa, que incorporou, ainda, o Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa). Se a configuração atual fosse aplicada aos governos do passado, somente o de Costa e Silva teria o mesmo número de militares que o do Bolsonaro. E, se presidente eleito tivesse um ministério com a antiga configuração, seu governo teria 11 ministros militares, mais do que qualquer um na história.

Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas avaliam que a escolha por militares pode ser explicada por duas razões: a primeira é que as indicações refletem o gosto pessoal do futuro chefe do Executivo, demonstrando parte do universo em que ele vive. A segunda foi o recado à classe política, tratada com desdém por Bolsonaro, que vive criticando as negociações de cargos (o famoso toma lá dá cá), a corrupção e a “desordem”. Para eles, isso não significa necessariamente um risco de autoritarismo, mas pode indicar dificuldade nas articulações – já que os militares são mais acostumados à ordem que à barganha. Abre-se, então, uma lacuna a ser preenchida pelo próprio presidente, que terá de intervir em decisões desconciliadas.

“Não há que se comparar militarismo com um governo cheio de militares. O tempo é outro, as questões são outras, e Bolsonaro foi eleito pelo voto direto. Isso o distingue do ciclo militar entre Castelo Branco e Figueiredo. Bolsonaro não foi eleito por ser um capitão do Exército. Foi eleito sobretudo pelo antipetismo”, afirma o professor de história política e contemporânea da Universidade de Brasília (UnB), Antônio José Barbosa.


QUALIFICAÇÃO 
Para ele, é um equívoco usar a expressão governo militar para a próxima gestão, por mais ministros militares que se tenha. “Boa parte dos convocados recebeu o convite por sua capacidade técnica. O de Minas e Energia (almirante Bento Costa Lima Leite), que veio da Marinha, é altamente qualificado nesse setor. O astronauta (Marcos Pontes, futuro ministro da Ciência e Tecnologia) também é na área dele”, explica.

Para Barbosa, o grande número de militares na Esplanada não significa ministérios conservadores. “A sociedade brasileira é conservadora. O próprio presidente também é. Mas não acho que isso foi pré-requisito para definir os ministérios. Foram escolhidas pessoas com excelência técnica em suas áreas de atuação. Acredito que eles farão as melhores opções. Isso, se estivermos baseados apenas em suas carreiras e em seus conhecimentos. Não há que se falar mais em militarismo, nos anos de chumbo. O que veremos aqui, agora, nunca vimos anteriormente”, detalha.

Bolsonaro é o terceiro presidente eleito por voto direto a vir das Forças Armadas. O primeiro foi Hermes da Fonseca, em 1910, tendo dois militares entre seus sete ministros, e Eurico Gaspar Dutra, que, em 1946, colocou quatro entre seus 10 ministros. Como em outros governos comandados por oficiais do Exército, foi indicado um número expressivo de militares para vagas ligadas à infraestrutura.
DIÁLOGO 
O tema que tem tirado o sono da equipe de transição é a forma de diálogo do próximo governo. Principalmente no que diz respeito ao Executivo e ao Legislativo. O professor Joselito Guedes, da Universidade Estadual de Goiás (UEG), acredita, no entanto, que o Congresso mais diversificado e quase sem caciques – políticos profissionais como Eunício Oliveira (MDB-CE), presidente do Senado, e Romero Jucá (MDB-RR), por exemplo, não se reelegeram após décadas no poder – abrirá espaço para conversas. “Acho que essa variedade de pessoas novas, gente de tribos diferentes e com ideais pouco explorados no centro do Legislativo, pode acabar casando melhor com as ideias do novo governo. Talvez o primeiro escalão do Executivo deixe a desejar nas negociações, mas, se o presidente eleito souber conduzir temas mais arenosos, terá os resultados que busca. Os militares podem ter dificuldade em negociar, mas são muito bons de organização”, detalha Joselito.

Prestígio obtido nas urnas

Nos bastidores das Forças Armadas, é consenso que Jair Bolsonaro surfou no prestígio que os militares conquistaram para se eleger. “Houve uma transferência de votos para Bolsonaro, mas não queremos a responsabilidade de estar juntos”, garante um militar da Marinha. Segundo ele, a força quer exercer seu papel constitucional, “sem interesse, estratégia ou projeto de assumir uma gestão” no governo federal.

Para Arthur Trindade, ex-secretário de segurança do Distrito Federal e ex-militar, é necessário entender as Forças Armadas como corporação, instituição e grupo social. “São coisas distintas. Como grupo social, os militares vão ocupar muitos cargos no governo, porque é um governo vazio. Não é culpa do Bolsonaro. Os partidos não têm quadros para mobiliar uma máquina”, ressalta. Nesse aspecto, Trindade diz que a expertise militar pode contribuir muito para pastas na área de infraestrutura. “Agora, vai causar mal-estar, porque não tem vaga para todo mundo. Isso pode gerar atrito interno”, diz.

Enquanto instituição, ressalta o especialista, o Exército conquistou um prestígio social a que não se assistia desde a década de 1970. “Isso está preocupando os militares, mas eles deixaram o Bolsonaro colar demais. A instituição pode estar sendo posta em risco, porque tudo de ruim que ocorrer vai para a conta dos militares. E o alto-comando está pessimista quanto ao governo do Bolsonaro em termos econômicos”, analisa.

Apesar disso, Trindade avalia que as forças não foram enfáticas em cobrar que o Bolsonaro não os representa. “Serão cinco generais no governo. Daqui a um ano, vai ter mais e vai ficar cada vez mais difícil desvincular a instituição. Ainda no quesito institucional, o maior drama é quem ocupará o cargo de comandante do Exército, com o general Augusto Heleno como ministro da Defesa e homem mais poderoso da República?”, indaga.